Um pós-ilustrador daltônico

Mesmo quando o mundo desmorona, existe um artista que permanece no centro, que se torna mais solidamente fixado e ancorado, mais centrífugo, à medida que se acelera o processo de dissolução geral da realidade. (E esse artista, caros humanos, chama-se Fabiano Gummo.)

Pois bem, estou agora numa galeria de arte em São Leopoldo... (Cercado pelos coelhos radioativos de Gummo, lembro-me de uma frase que costumava ouvir de seus olhos enquanto caminhávamos sem rumo pelas alamedas obscuras do Fracasso: "Só os que são capazes de admitir a luz em suas entranhas podem traduzir o que há de cor no coração".)
No limiar deste grande salão, cujas paredes agora estão em chamas, paro por um momento na tentativa de me recuperar do choque que experimentamos quando o habitual cinzento do mundo é rasgado pela cor lúcida da Revelação: em pé, na fronteira do mundo, volto então a experimentar a mesma força que permitiu a Basquiat deformar tanto o quadro da vida, que o próprio nexo dos sonhos acabou rompido, espirrando suas tripas num grande jorro esquizofrênico em face do Absoluto.
(Com a coragem de sacrificar a linha harmoniosa a fim de captar o ritmo e o murmúrio do sangue, Fabiano Gummo foi capaz de perceber a estabilidade física do invisível, para então anunciar suas descobertas com o pigmento metafísico do espaço.)
Ainda estou em São Leopoldo, embora meus pés estejam no Absoluto. Saio para fumar um cigarro, e penso que Fabiano Gummo é música saindo como fogo da cromosfera oculta da dor... Enquanto isso, lá dentro, no salão lotado, Gummo navega entre tomos e mais tomos de átomos adulterados, aplicando, sem piedade, sob a luz adúltera das estrelas estranguladas, sua radioterapia cega de criança no coração doente de um Deus corrupto e covarde.
[texto de Fabio Godoh, publicado originalmente
no blog Chimia Geral, dezembro/2008]